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Inquisição

Inquisição, criada pela Igreja Católica, julgava pessoas não adeptas ao cristianismo. Teve duas fases: uma na Baixa Idade Média e outra na Idade Modena.

Ilustração traz mulher na fogueira durante a Inquisição.
Ilustração traz mulher na fogueira durante a Inquisição.
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A Inquisição foi criada pela Igreja Católica, durante a Idade Média (476-1453)  — especificamente na Baixa Idade Média (séculos XI e XV) — e Idade Modena (1453-1789). Era um tribunal que julgava hereges (pessoas não adeptas ao cristianismo), porém esses julgamentos se tornaram também parte de um movimento político e econômico da época.

Inicialmente, as averiguações incidiram na Alemanha, França e Itália; em seguida, Espanha e Portugal, e, assim, alcançaram os países da América colonizados. O movimento, já abrandado na Idade Moderna, teve um novo apogeu durante a Reforma Protestante (1517), e retornou também durante a formação dos Estados Nacionais (século XVIII).

Apesar de existirem poucos estudos a respeito, existiu Inquisição no Brasil, onde chegou a abrir mais de 1000 processos. Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram em todo o período inquisitório no mundo, mas os números vão de 100 mil a milhões. O Tribunal da Santa Inquisição foi extinto em 1891.

Leia também: Heresias medievais — as práticas consideradas hereges durante a Idade Média

Tópicos deste artigo

Resumo sobre a Inquisição

  • A Inquisição aconteceu durante a Baixa Idade Média e a Idade Moderna.

  • Julgava hereges e virou também um movimento político.

  • Por meio da península Ibérica colonizadora, veio para as Américas e, consequentemente, para o Brasil.

  • Os números de mortos durante todo o período em que ela atuou variam de 100 mil a milhões.

  • Oficialmente, só acabou, em 1891, com a extinção do Tribunal da Santa Inquisição.

Videoaula sobre a Inquisição


O que foi a Inquisição?

Formalmente, o Tribunal da Santa Inquisição foi criado, em 1233, pelo Papa Gregório IX, e extinto — já sob o nome de Tribunal do Santo Ofício — em 31 de março de 1821 por força de lei. Por falar em lei, alguns estudiosos do tema consideram que a Inquisição foi também um sistema jurídico, já que julgava, ouvia testemunhas e aplicava penas. Esse debate acontece não só entre historiadores, mas no Direito.

As datas apontadas, como mencionado na introdução, são apenas formalidades de quando determinada bula papal (ordem passada pelo Papa como se fosse uma lei eclesiástica, ou seja, uma lei da Igreja Católica) foi estabelecida ou quando um tribunal foi extinto. Na prática, sabemos que essas datas são marcos que usamos para fins didáticos, mas que a História é dinâmica e processual. Sendo assim, a Inquisição, enquanto um movimento, aconteceu durante todo o período dos séculos XII a XVIII.

Ela é considerada um movimento religioso e político por dois motivos:

  1. Sabemos que a Igreja tinha um poder muito grande durante a Idade Média e parte da Idade Moderna, o que fez com que suas leis, a princípio eclesiásticas, influenciassem sobremaneira o Estado e as ações na sociedade.

  2. A própria Igreja tinha outros interesses, não só religiosos, nessas investigações e condenações. Há estudos que dizem que ela lucrou muito com a Inquisição, que aconteceu não só na Europa mas também em parte da América (colonizada por Portugal e Espanha), e não só investigou e condenou como também torturou e matou muitas pessoas.

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Origens da Inquisição

Antes da bula papal de Gregório IX, outros papas já tinham publicado orientações inquisitórias, mas é a partir dela que podemos considerar que a Inquisição passou a existir oficialmente.

Na Idade Média, a sociedade era estamental, ou seja, dividida em grupos sociais bastante sedimentados entre si, em que uns tinham privilégios e outros não. Os três grupos que a formavam eram: nobreza, clero e camponeses (servos), que, além de trabalharem nas terras dos senhores (pagando impostos e até recebendo castigos em troca da proteção no feudo), também podiam cultivar as suas para subsistência.

Havia também terras comunais (florestas, lagos, bosques, pastos), onde os servos buscavam lenha, outras plantas e animais para comer. Isso é importante para entender a Inquisição, pois as “heresias” perseguidas pela Igreja não se limitavam à religião, também diziam respeito a quando algumas pessoas começavam a experimentar um pouco de autonomia econômica e organizativa de maneira comunal. A Igreja e a nobreza não gostaram nada disso. Uma, por perder privilégios; a outra porque, com isso, antes mesmo da transição para a Idade Moderna, a Igreja foi perdendo prestígio.

No início, as investigações da Inquisição aconteceram principalmente na França, Itália e Alemanha — depois centraram força na península Ibérica (Portugal e Espanha), passando, por meio dela, para a América — contra cátaros, valdenses, entre outras seitas.

Uma mulher suspeita perante o tribunal da Inquisição.
Uma mulher suspeita perante o tribunal da Inquisição.

Os julgamentos da Inquisição não eram justos. O réu, muitas vezes, sequer sabia sobre o que estava sendo julgado. Também não conhecia as testemunhas. Não havia possibilidade de defesa. Tudo era sigiloso, e muitos acabavam confessando seus “crimes”, mesmo que não os tivessem cometido, por meio de torturas. Após condenada, a pessoa era presa temporária ou perpetuamente ou ia para a fogueira em praça pública.

Além das seitas mencionadas, outros grupos sociais foram bastante perseguidos: as mulheres, por exemplo, desde a Idade Média e até a Moderna, como veremos melhor a seguir. Inclusive algumas delas eram famosas, como Joana d’Arc, que, apesar de ter lutado na Guerra dos Cem Anos, foi acusada de bruxaria e queimada em 1431.

Leia também: Heresia dos cátaros e a cruzada albigense

Inquisição na Idade Moderna

Quando falamos em Idade Moderna, pensamos em descobertas no Novo Mundo, na formação de Estados Nacionais, no surgimento do capitalismo, entre outras características apontadas por muitos como “avanços”. Pode surpreender, portanto, quando se sabe que foi justamente nesse período que mais mulheres tidas como “bruxas” foram investigadas, julgadas, presas, queimadas, perseguidas, torturadas e mortas pela Inquisição.

O advento do capitalismo e das novas relações de trabalho, com o fim da servidão feudal, precisava de corpos domesticados para o trabalho não mais submetido a uma sociedade estamental. As mulheres “bruxas” eram, na verdade, as que tinham conquistado certa liderança nas terras comunais, assim, eram ameaça. Foram chamadas dessa forma porque tinham conhecimento da medicina das plantas (ervas medicinais).

A Europa, depois da Peste Negra, precisava ser repovoada e contava com as mulheres para gerarem os novos filhos, ou seja, a nova mão de obra para o continente. Entre os conhecimentos médicos que as mulheres tinham, estavam os métodos contraceptivos, e isso não seria bom para a economia, para os governos e para a Igreja, que sempre participou dos negócios.

A Inquisição, enfraquecida em boa parte da Europa e só intensificada em Portugal e Espanha, teve seu auge na Reforma Protestante (movimento de crítica à Igreja Católica, liderado por Martinho Lutero, no século XVI) e voltou com força total também na formação dos Estados Nacionais (século XVIII).

Os judeus, por exemplo, passam a ser muito perseguidos pela Igreja a partir desse período e tornaram-se cristãos-novos (isto é, convertidos à fé católica, em sua maioria de maneira forçada), pois, na visão católica, eles tinham prosperado bastante e deviam impostos, que faltavam cada vez mais desde a Reforma Protestante.

Mais à frente, nas expansões marítimas que encontraram povos originários no Novo Mundo, tidos como empecilhos à geração de lucros, a Igreja teve papel fundamental na unificação da língua, dos costumes, da cultura e da crença em países colonizados. Era necessário catequizá-los, normatizá-los e transformá-los em cristãos que obedecessem à mesma ordem europeia.

Na Idade Moderna, as técnicas de tortura foram aperfeiçoadas e a Inquisição se transformou em uma série de normas e leis, ou seja, um sistema jurídico, com livros e “fundamentações”. Os réus passaram a ter algum direito de defesa (diferentemente do que acontecia na Idade Média) com representantes legais. Só as perseguições é que continuavam as mesmas: uma vez delatada, as buscas pela pessoa eram incessantes.

A denúncia podia partir de qualquer um assim como também acusava qualquer um ou uma (às vezes, até para fugir do risco do denunciante ser também perseguido/a). Alguns acusados foram filósofos e cientistas famosos, como Giordano Bruno e Galileu Galilei. Este, o primeiro da história a dizer que a Terra não é plana, foi julgado justamente por isso, porém foi absolvido depois de recuar de suas teorias.

Resumindo: a Inquisição na Idade Moderna incidiu principalmente nos seguintes grupos e/ou períodos:

  • mulheres, na transição para o capitalismo;

  • protestantes, durante a Reforma Protestante;

  • judeus, na formação dos Estados Nacionais;

  • povos originários nas colônias ibéricas;

  • filósofos e cientistas.

Procissão da Inquisição em uma igreja, uma ilustração de Gabriel Dellon, 1688.
Procissão da Inquisição em uma igreja, uma ilustração de Gabriel Dellon, 1688.

Inquisição no Brasil

Quando Portugal e Espanha, a partir do século XV, aqui chegaram, além da exploração econômica, expansão de suas terras e sua forma de governo, precisavam também de justificativas ideológicas, leia-se religiosas, para alcançarem tudo isso. Com toda a força que a Igreja Católica ainda tinha, sobretudo na península Ibérica, e seu nível de atrelamento ao Estado, coube a ela realizar esse trabalho.

A Inquisição brasileira é tema não muito difundido, porém o Tribunal do Santo Ofício visitou os colonos no Brasil pela primeira vez em 1590, ou seja, 90 anos após a chegada dos europeus e 60 depois da efetiva colonização, com capitanias estabelecidas, onde as missões jesuíticas (grupos de indígenas catequizados e organizados em aldeamentos por padres jesuítas) já cumpriam seu valoroso papel religioso-político-econômico de conversão de indígenas e ajustamento de condutas.

Portanto, a Santa Inquisição esteve em terras brasileiras durante os séculos XVI a XVIII. Suas principais investigações diziam respeito aos cristãos novos, em outras palavras, judeus que haviam se convertido. A maioria dos inquisidores saía de Portugal, da Holanda e da França para o Brasil, um de seus destinos favoritos. Não deixaram também, é claro, de executar ações contra protestantes e mulheres “bruxas” por aqui.

Foram mais de 1000 processos abertos ao longo do tempo, sendo cerca de metade contra o judaísmo. Aconteciam também muitos casos de “feitiçaria” devido ao sincretismo com outros povos, culturas e crenças. Após a abertura do processo, os acusados eram investigados e torturados. Apostava-se muito nas humilhações públicas e, caso nada adiantasse, finalmente, na morte.

Esses processos cessaram por aqui no mesmo período em que também foram perdendo força no mundo inteiro, após as guerras napoleônicas. É importante destacar que a Inquisição encontrou não adeptos no Brasil até mesmo dentro da própria Igreja, como o Padre Antônio Vieira, grande crítico da Inquisição no século XVII; assim como a Companhia de Jesus, que chegou a combater o Santo Ofício; e populares, que a criticavam por enxergarem-na como meio de “ações arbitrárias e interessadas no confisco de bens”, segundo o historiador Ylan Matos, especializado em Inquisição no Brasil.

Saiba mais: Inquisição no Brasil Colônia

Afinal, quantos morreram com a Inquisição?

Não sabemos! Isso mesmo, caro leitor. Essa informação precisa simplesmente não existe. Se você já acompanha a História há algum tempo, já deve ter percebido que não há, sobre nenhum assunto da disciplina, um consenso de interpretações. Quando se fala em números então... O que, de maneira alguma, tira-nos a seriedade dos estudos, pelo contrário. Novas fontes são encontradas, novos caminhos são pensados, e, assim, a História se mantém viva.

Mas podemos dizer, por exemplo, que, do ponto de vista da Igreja — que só pediu perdão pelo que chamou de “abusos da Inquisição” (não por toda ela) em 2000, com o papa João Paulo II —, as mortes foram “bem menos do que se pensava”. Pedido de desculpas esse, aliás, que só veio após anos de pesquisas de vários historiadores, liderados por Agostino Borromeo e convocados pelo Vaticano, que se reuniu com eles, em 1998, no Simpósio Internacional do Estudo sobre a Inquisição.

Desse encontro saiu um relatório de mais de 800 páginas, concluindo que a Igreja “não praticou tantas execuções ou tortura como dizem os livros de história”, segundo reportagem no jornal BBC|1|, que entrevistou membros do Vaticano, em 2004, quando o relatório saiu.

No documento, consta ainda que, na Espanha, de cerca de 125 mil julgamentos (números do estudo), por exemplo, “apenas 1,8% dos investigados pela Inquisição espanhola foram mortos”. Sabe-se, no entanto, que o processo inquisitório naquele país foi um dos mais violentos. O relatório também assumiu que, só na Alemanha, cerca de 25 mil “bruxos” e “bruxas” foram mortos. 

Alguns dizem que a Inquisição, em seu auge, nos séculos XVI e XVII, matou até 100 mil pessoas. Se são incluídas as guerras religiosas, passamos de milhares para milhões. Há versões que falam em 30 milhões de pessoas! Na América, se considerarmos os indígenas, vemos que até crianças entraram nessa macabra conta.

  

Declínio da Inquisição

O fim das ações da Inquisição não se resume à data da extinção do Tribunal, em 1891. É preciso entender os motivos que levaram a esse desenlace. A quais interesses ela serviu ao longo de tanto tempo e por que não serviria mais?

Basta lembrarmos que, nesse mesmo período, ou seja, final do século XVIII, a Europa vivia o boom de ideias iluministas, “o século das luzes”, o questionamento aos ensinamentos religiosos, o advento da filosofia, e a separação entre Igreja e Estado. Esse foi um movimento poderoso, considerado também uma “revolução científica”, que vinha desde o século XVII, e muitos já haviam sofrido perseguições eclesiais.

Houve um momento em que não foi mais possível impedir todo esse movimento de ideias. A Igreja se viu obrigada a passar por uma das suas tantas mudanças e contrarreformas (que acontecem até hoje) para se adequar ao pensamento dominante da época e não perder espaço e, principalmente, poder.

Portugal, por exemplo, quando extinguiu o temido tribunal, passava por uma “revolução liberal”, e era um dos últimos países a ainda aplicar tais práticas. A Espanha seguia fiel à Inquisição, mesmo perdendo forças, mas, depois, também encerrou oficialmente seus inquéritos sangrentos.

O iluminismo, que influenciou a Revolução Francesa e o posterior advento de Napoleão, as guerras napoleônicas e o fim delas também influenciaram bastante para o fim da Inquisição. Vale lembrar que Bonaparte assinou a Concordata de 1801, um acordo com a Igreja Católica que reestabelecia sua hegemonia na França, retomando seu poderio político e, inclusive, o calendário gregoriano, substituído pelos revolucionários franceses pelo republicano.

Obviamente, quando ele perdeu a guerra e a Europa toda fez acordos para conter outras revoluções, tudo isso foi revogado. Menos o calendário! Por fim, a Inquisição também foi perdendo força por aqui, já que já tínhamos muitos descontentes, como mencionado.

Nota

|1| BBC. Disponível aqui.

Escritor do artigo
Escrito por: Mariana de Oliveira Lopes Barbosa Doutora em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Graduada e Mestra em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

BARBOSA, Mariana de Oliveira Lopes. "Inquisição"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/guerras/inquisicao.htm. Acesso em 19 de março de 2024.

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